sábado, 10 de setembro de 2011

Um feliz aniversário em Paris








Não foi possível escrever nesses últimos tempos, estava muito ocupada. Deixei para dar notícias depois de, por mais uma vez, atravessar o Atlântico. Vim passar trinta dias nesta cidade que é a minha paixão. Cheguei no dia 30 janeiro e estou no Carlton Hotel, no Blv. Raspail. Paris está gelada, mas como sempre, cheia de vida. Pela primeira vez, vou passar meu aniversário longe da família e dos amigos.

Início esta longa carta no Le Grand Café, Blv. Des Capuccines, bem perto da Ópera e em vários outros lugares Por enquanto estou só e aproveito para ir ao cinema, teatro e me aquecer nos pequenos e acolhedores Bistrôs, com um bom vinho, música e deliciosos queijos.

Espero uns amigos que virão por uma semana. Ela é francesa, mora na Provença e organizou um programa especial para mim. Agora, estou nos Jardins de Luxemburgo, tendo à minha frente à Fonte dos Médici, coberta por uma fina camada de gelo. É lindo. Um cálido sol de inverno aquece apesar do frio rigoroso, alguns corajosos adeptos do “cooper”.

Crianças bem agasalhadas correm e brincam. Velhos casais de mãos dadas olham-se com ternura, mostrando que o amor não tem idade, são iguais aos jovens, cujos beijos despertam a inveja de quem os vê, começando por mim. Como são beijoqueiros esses franceses!

Os amigos chegaram. Hoje visitei o Museu Rodin onde almocei e à noite fomos a Sala Playel assistir a um concerto de um pianista argentino, com belos e nostálgicos tangos. Encerramos a noite com um jantar no La Cuppole. Ah! Querida amiga, o tempo passa muito depressa, principalmente quando estamos felizes.

Hoje é o dia do meu aniversário e cumpri um intenso programa. Conheci o Parc de la Villette, nos arredores de Paris. Que lugar fantástico! Ainda falta muita coisa para terminar, mas voltei à infância na fantástica sala de cinema do La Géode. Nunca me diverti tanto, nem lembro de quantos mil dias marcaram a minha existência. Fui convidada a conhecer o restaurante La Piéce de Boeuf, na Ave. Corentin Cariou. Que almoço! Consumimos duas garrafas do delicioso vinho Sancerre.

Descansei um pouco e à noite já estava pronta para ir jantar no “Le Criole”, restaurante martiniquenho, onde servem uma bebida a base de rum e frutas tropicais. Dançamos ao som de salsas e merengues. Que noitada memorável!

Hoje passamos o dia fora de Paris e visitamos o museu de Gaugin. Retornamos bastante tarde. Como estamos na semana de carnaval, combinamos de ir aos Jardins do Louvre amanhã participar de um Baile Veneziano.

Danielle é uma amiga magnífica, inteligente e com gostos semelhantes aos meus, mas um pouco diferente do companheiro, homem sério, um intelectual, que leva a vida a revisar obras filosóficas. Digo que ela é minha alma gêmea. Fomos nós duas, ao baile nos jardins do Louvre. Compramos fantasias e máscaras. Ah! Que festa! Como nos divertimos! Foram tantos abraços de condes dráculas, dodges venezianos, reis e pintores reencarnados. Uma loucura. Falei do Carnaval do Brasil e convidei-a. Só assim poderia ver a diferença.

Paris neste ano está com a temperatura muitos graus abaixo de zero e quase não vemos pessoas nas ruas, mas o céu é de um azul estonteante. Em todo lugar aproveito para contar as minhas aventuras. Ontem fomos a Giverny e, apesar das névoas e do frio, tivemos um agradável dia nos jardins que inspiraram Monet e até hoje encantam tantos artistas.

Aproveitamos o fim de semana do carnaval e fomos à Veneza. No domingo participamos do famoso baile à fantasia da Piazza San Marco. Um espetáculo teatral, onde passado e presente se juntam ao som de melodiosas valsas e polcas. Apesar da noite gelada e de fortes ventos, nos aquecemos com um bom vinho e fomos dançar.

Danielle com o seu par. Eu caí nos braços de um mascarado, que poderia ser Dom Juan ou Casanova, mas sabia dançar muito bem. Estava fantasiada de dama da corte, não sei de que reinado e nem uma vez tirei a máscara, preferi ficar no anonimato.

Foi uma grande noite. Voltamos direto para Londres, por dois dias e conheci também Viena, esta sim, tocou o meu coração, com seus sóbrios e históricos palácios, museus, casas de chá, um verdadeiro encanto sentindo a nostalgia da velha cidade das valsas.

Ficamos num hotel antigo e charmoso, onde saboreei o melhor chá da minha vida. Não choveu. A neblina, cobria tudo. Mas valeu a pena. Visitamos palácios, museus e parques. Almoçamos numa encantadora estufa aquecida ao som de violinos, sempre acompanhada de um bom vinho.

À noite regressamos. Danielle partiu. O trabalho os esperava. Eu, com tudo o que a vida me dá de direito, permaneci por mais uma semana e agora, meu caro amigo, estou no aeroporto e me despeço desta cidade linda e aconchegante, mesmo debaixo de frio e neve. Sabes muito bem da minha idéia fixa de um dia vir morar neste país, aqui ou em qualquer outro recanto perdido, entre flores e pássaros. Abraços da amiga viajante e sonhadora. Paris, 27/02/86.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Querido Amigo

“Querido amigo,

Estamos no mês junho. Paris, como sempre está magnífica, florida e com a temperatura entre quinze e vinte graus. É realmente, uma cidade refrigerada e o Paraíso, se existe, deve ser assim. Novamente, faço aquele velho roteiro sentimental pelas suas ruas e avenidas. Gosto de admirar os belos e sóbrios prédios, sua arquitetura e estilos.

Vim acompanhando um grupo de artistas plásticos para realizarem o sonho da vida inteira: Mostrar seus trabalhos nesta cidade, onde a arte é de todos e para todos. Para este projeto tive o aval do Senador Ney Maranhão que enviou uma carta de recomendação ao Jornalista Sebastião Nery, atuante Adido Cultural da Embaixada do Brasil. Infelizmente quando fui entregar-lhe a carta ele de nada sabia. Deixei uma senhora brasileira que prometeu reservar a Galeria e fazer os contatos com a Embaixada. Ela nada fez e foi aí que começou a minha “via crucis”. Finalmente conseguimos o local e tudo aconteceu.

O senhor Sebastião gentilmente se fez presente ao coquetel de abertura da Exposição com o assessor Antenor Borgeas e o representante da Unesco. Entre os convidados o Pintor Cícero dias, pernambucano e amigo de longas datas, acompanhado da esposa Raymonde, para enlevo dos artistas expositores, o Diplomata Marcel Morin e senhora, M. de Fortuit ex-Embaixador da França no Brasil e o vereador Alain Rivron que, diga-se de passagem, nos ajudou convidando pessoas ligadas ao mundo das artes. Assim, tivemos uma bela vernissage e um delicioso coquetel regado a champanhe.

Ontem, os artistas viajaram para Gênova onde vão participar da Exposição comemorativa do descobrimento das Américas. Resolvi permanecer aqui no Hotel Argentine, onde plantei o meu quartel general e só depois irei encontrá-los. Assim poderei respirar depois da tempestade.

Livre, leve e solta, com Paris só para mim, fui conhecer o belo Castelo de Chantilly, cercado de campos verdejantes e jardins. Cheguei cedo para aproveitar o silêncio e a beleza dos arredores. Passei um dia maravilhoso e, à noite, me ofereci um jantar à luz de velas, acompanhado do excelente vinho, “Romanée Conti”, não lembro a safra, mas sei que é um dos teus preferidos.

Toda essa extravagância, meu querido, para compensar os inúmeros aborrecimentos que, pela primeira vez, tive nesta cidade. Mal entendidos aconteceram e, devido à mediocridade de alguns dos artistas, sérios problemas foram criados e quase me transformam numa segunda Joana D´Arc.

Bem, a tempestade passou. Que maravilha! Aceitei o convite dos meus amigos e almocei com o simpático casal, os Morin, e nos deliciamos com ostras e champanhe.

Hoje fui convidada pelo meu amigo Embaixador M. De Fortuit para jantar no Ciel, charmoso Restaurante do Hotel Concorde Lafayette, de onde vemos Paris maravilhosamente iluminada. Bem podes imaginar a nossa farra gastronômica. Entre uma taça de champanhe e outra, eu me delicio e lembro de ti e do quanto gostas das minhas declarações de amor a esta bela e encantadora capital do mundo.

Deves, acredito considerar-me muito louca, enfrentar tempestades e ainda ousar pedir o néctar dos Deuses. Esta sou eu, tua amiga do coração que ama, e sempre está feliz em Paris. Abraços com saudades e muito afeto. Paris, 15 Junho de 1992. Ina Melo.”