domingo, 29 de maio de 2011

Cartas de Paris


Caríssima amiga The,



Hoje passados tantos anos e vivendo em mundos separados, assisto na TV às intempéries do inverno rigoroso que envolve essa cidade que tanto alimentou os nossos sonhos. Aproveito para te contar uma louca aventura que vivenciei e da qual, tenho certeza nunca te falei, talvez receosa da tua incredibilidade quando o assunto era “homem”.

Lembro muito bem que na época, estavas nadando num mar de felicidade, morando em Florença com o teu belo italiano, amor esse que permanece, apesar dos altos e baixos da vida. Bem, agora, de repente, todo um passado retorna e com ele as maravilhosas lembranças. O mês era novembro e não lembro mais o dia. Estava sentada no último Café, aquele perto do Arco do Triunfo, saboreando um “calvados”, quando dois penetrantes olhos negros derramaram sobre mim uma forte descarga elétrica. Encarei o desconhecido e ri para ele. Bem sabes que não tenho medo de nada e muito menos de homens. O calor invadiu o meu corpo e o coração parecia querer pular fora, mesmo debaixo da roupa. Logo estávamos conversando como se fôssemos velhos conhecidos. A chuva fina e o vento cortante insistiam em fustigar a cidade. Fui convidada pelo garboso italiano (só depois vim descobrir que era um árabe, falando fluentemente o idioma dos Césares) para um “drink” num lugar mais animado. Claro que aceitei.

Iniciamos a noite no bar do Ritz (minha paixão) e onde tantas e tantas vezes nós duas, pousando de milionárias ficávamos horas e horas com uma taça de champanhe, mas sempre sorridentes e encantadoras para não chatear o “barman”. O meu galante companheiro estava hospedado no Hotel e tinha à sua volta um bando de garçons sempre prontos para atendê-lo. Em seguida, convidou-me para acompanhá-lo no jantar. Antes de responder, olhei para mim e ele, sorrindo, concordou em me levar para trocar de roupa. Fez um sinal para um senhor grisalho e pediu que me acompanhasse ao Hotel Maurice, em Montparnasse. Fiquei com o coração aos pulos, pois previa uma noite de grande aventura.

O homem, cara amiga era eletrizante, lindo e parecia afortunado. Fui rápida e vesti um longo preto de corte divino, que deixava todas as formas do meu corpo bem acentuadas, apesar de nem um pedaço da pele a descoberto. Usei todos os colares de pérolas que possuía brincos e anéis Bem sabes como gosto delas. Estava pronta para me aventurar na noite parisiense. O cetim brilhoso realçava a cor platinada dos meus cabelos. Ao chegar sentir uma nova descarga elétrica pelo penetrante olhar do homem que me esperava. Ele usava um terno de "cashemere" preto, camisa de seda e um “foulard” cor de vinho. Mesmo montada em saltos altíssimos, quase que não alcançava o seu peito. Precisava levantar a cabeça para olhar bem dentro dos seus olhos. Saímos de mãos dadas e fomos para o “Colbert”s”. O lugar era requintado, mas sem ostentação. A mesa estava reservada e pelo arrodeio do Maître, vi que ele era realmente alguém importante Não me interessei. Sabia que iria ter uma noite maravilhosa. E assim aconteceu. Depois do jantar fomos dançar num "Club Privée", onde músicos russos tocavam violinos. Com a cabeça nas nuvens corpo e coração palpitantes, correspondi ao caloroso beijo que quase me deixou sem respirar. Acho que o sexo começou por aí. Fizemos amor até não sei a hora com direito a champanhe derramando-se sobre o meu corpo nu.

Assim, amiga realizei uma das minhas fantasias. Dormi com um árabe quente e carinhoso, numa suíte do meu hotel preferido em Paris. Espero que não te escandalizes. Podes pensar o que quiser, mas no outro dia depois de muitos beijos e abraços prometi que o esperaria para um novo encontro. Acontece, com o meu provincianismo, a primeira coisa que fiz, foi mudar de Hotel, indo para o outro lado da cidade. Nunca mais vi Amonhedad (que nome horrível). Às vezes penso que ele nunca existiu, mas só de lembrar, o meu corpo vibra da cabeça aos pés, mesmo passadas tantas décadas. Imagino a tua cara. A tua amiga hoje está invisível, talvez por conta do tempo e do policiamento a que nos submetemos quando ficamos com mais idade. Beijos e muitas saudades da nossa juventude. Recife, Fev/2010.